sábado, 15 de fevereiro de 2014

O Cristo de Goya

 
Cristo crucificado de Goya




1. Descrição



Autor                        Francisco Goya y Lucientes
Data                          1780
Suporte e técnica     Tela com pintura a óleo
Formato                     255cmx154cm
Localização da obra   Museu do Prado, Madrid
Temática                   Crucifixão de Jesus
Luz e Cor                   Predomina o fundo escuro e cores suaves
Tema                          Religião



Elementos e pormenores 
                                
A figura de Cristo na cruz; a cruz, muito robusta, tem uma peanha onde apoiam os pés; são apresentados quatro cravos no corpo de Cristo; o corpo não apresenta sinais de feridas, a cabeça de Cristo está inclinada sobre a esquerda e o rosto olha para cima.

 
2. Análise
História da obra                 
 Esta pintura foi elaborada como prestação de provas para ingressar na Real Academia de  Belas Artes de San Fernando em 5 de julho de 1780.

Enquadramento histórico/cultural em que viveu o autor
Ao longo do século XVIII a arte e a religião vão-se afastando uma da outra, fruto da influência do iluminismo. Os artista, agora, trabalham já não só para a Igreja mas acima de tudo para a Corte. Por outro lado, a piedade popular alimenta-se de uma espiritualidade decadente, incapaz de dialogar com um mundo cada vez mais marcado para decisão do homem sem qualquer interferência do religioso. Consequentemente a imagem de Cristo é adocicada e diminuída na sua realidade. Ganha relevância o humano.

Conceções filosóficas e religiosas do autor
Goya viveu e cresceu num ambiente religioso católico, com grandes amizades eclesiásticas, como o Frei Juan Fernandez de Roja, a quem consultava na hora de criar as suas obras. Progressivamente Goya foi bebendo  a influência do cartesianismo e das ciências experimentais, pelo que a sua religiosidade se tornou mais ilustrada e crítica. A Inquisição perseguiu, o que também contribuiu para o seu distanciamento da Igreja, sem se afastar, contudo, da vivência do religioso.

Temática abordada           
 Goya aborda a crucifixão de Jesus
Escola / Estilo /Influencias
O recorte da figura de Cristo sobre um fundo neutro muito escuro denota a influência de Velasquez, assim como a luminosidade que irradia daquele corpo. A influência de Anton Raphael Mengs vê-se pelo avanço da perna enquanto Cristo olha para cima. De Francisco Pacheco recebe a influência pela inclusão de quatro cravos em Cristo. Há muitas influências nesta obra de Goya, do Barroco ao Neoclássico, pois é visível o retrato de um corpo humano perfeito nas suas proporções, sem qualquer ferida, sem derramamento de sangue.

Suporte bíblico histórico da obra
Mt 27, 46; Mc 15, 34; 


3. Interpretação
Elementos significantes
O primeiro elemento relevante diz respeito à finalidade desta obra: realizada para um evento cultural e académico e não como elemento devocional ou de culto. É-nos apresentado um corpo jovem e formoso, sem qualquer sinal de violência extrema, sem aquela crispação e agonia comum em outras representações da crucifixão. Se por um lado o corpo é perfeito e até irradia luz, o rosto ganha uma outra dimensão pela expressão de dor, do olhar dirigido para o céu e que parece gritar: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste». Este contraste entre o rosto e o corpo como que expressam  essa divisão entre o humano e o divino, atribuindo a Deus a culpa do rosto sofrido, enquanto o corpo permanece calmo e sereno, capaz de irradiar uma luz cativante e central. O humano distrai do sofrimento.


Leitura comparada

Esta obra de Goya quando comparada com outras similares, revela da parte do autor um afastamento do religioso e uma maior atenção ao humano, algo que progressivamente se vai verificando ao longo dos séculos XIX e XX: a secularização da sociedade e a dessacralização de alguns ícones religiosos, como é o caso da crucifixão. Quando olhamos Cristo de São João da Cruz, da autoria de Salvador Dali, verificamos também a ausência coroa de espinho e do sangue, isto é, dos sinais do sofrimento. Alias, nem o próprio rosto de Cristo se vislumbra (o espetador tem de adivinhar o rosto), pois o ângulo de abordagem é colocado fora da terra, como se o pintor fosse Deus que olha o seu filho crucificado.



Leitura atual
A leitura atual desta obra remete-nos para uma compreensão de Cristo imerso na imensidão do humano, assumindo a beleza e a bondade do mundo. Cristo “mundaniza-se” quando assume também as dores e as angústias da humanidade e grita para Deus: onde estás?
O Cristo crucificado de Goya transporta-nos para uma vivência do religioso em perfeita cumplicidade com o humano, nada rejeitando, a não ser o sofrimento desnecessário: Goya retira sofrimento a Cristo para que os homens de hoje não sofram para encontrarem a Cristo. O sofrimento não é opção válida, não é o destino da humanidade. E quando ele está aí não se rejeita mas assume-se carrega-se com beleza e harmonia. O homem sofredor não é menos homem, tal como o Cristo crucificado de Goya não é menos humano. Por isso, a crucifixão é lugar e caminho da humanidade quando se torna significativa para o homem. A leitura atual da crucifixão feita por aluna de artes, coloca os braços Cristo para o alto, apontado outros caminhos que não os da terra, como que pedindo libertação…


 

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